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2025-07-31

O Ti Manelzinho

Durante a minha infância vivi em Vila Real, mesmo ao lado da bonita Capela Nova, por cima de um antigo estabelecimento comercial chamado Real. Mesmo em frente à nossa casa havia um lugar absolutamente encantador, que era a minha perdição — o "mítico" Bazar dos Três Vinténs, verdadeiro sonho de todas as crianças da cidade.

Como o meu pai desenvolvia a sua actividade profissional em São Tomé e Príncipe e apenas esporadicamente regressava à metrópole, e como os meus irmãos mais velhos estudavam no Liceu de Vila Real, morar ali acabou por ser a opção mais natural.

Foi na mesa da nossa sala, onde o Sol entrava pelas janelas e se avistava o sereno Rio Corgo e a sua imponente ponte metálica, que aprendi as primeiras letras e comecei a soletrar as palavras do jornal "O Primeiro de Janeiro", que o meu pai assinava religiosamente.

Quando ingressei na escola primária, mesmo em frente ao seminário diocesano, o mistério da leitura já se encontrava parcialmente desvendado para mim.

Foi precisamente por essa altura, no final do primeiro período lectivo, que os meus pais tomaram a importante decisão de regressar à minha terra natal, Oura. O meu irmão seguiria para a faculdade no ano seguinte e a minha irmã continuaria a frequentar o liceu, vivendo num quarto arrendado.

Lembro-me bem do primeiro dia na nova escola. A expectativa era grande, e um misto de nervosismo e entusiasmo percorria-me o peito. O meu novo professor era também o meu tio, Manuel Carvalho — o nosso querido Ti Manelzinho, como carinhosamente o tratávamos. Ele, orgulhoso, já tinha anunciado à turma que ia chegar um novo aluno... e que esse menino já sabia ler o jornal.

Mal entrei, e após os rituais de apresentação, fui chamado ao quadro para mostrar as minhas "habilidades". Mas o peso da timidez e do desconhecido foi mais forte. Com apenas seis anos, num ambiente novo, estranho, as palavras recusaram-se a sair. Emudecido, desatei a chorar e corri para casa, em busca do consolo doce e seguro da minha mãe.

O Ti Manelzinho ficou sem palavras. O brilharete que todos esperavam de mim... ruiu logo no primeiro dia.

Naquela época, a escola de Oura, como tantas outras espalhadas pelo país, dispunha apenas de duas salas de aula — a das raparigas, sob a orientação da professora Dona Albertina, e a dos rapazes. Em ambas, o número de alunos era elevado — cerca de quarenta –, divididos pelas quatro classes.

Apesar do arranque atribulado, cedo me apaixonei por aquela pequena escola. Ser sobrinho do professor trazia alguns privilégios, e os castigos colectivos — que por vezes se aplicavam com mão pesada — eram, no meu caso, aplicados com uma certa brandura. Lembro-me, aliás, de apenas um episódio em que fui realmente castigado.

Foi também por essa altura que começou a germinar em mim uma paixão profunda pela astronomia.

O meu tio, que, na sua infância, tinha observado a mágica passagem do cometa Halley, contava-nos com entusiasmo essa maravilhosa experiência, explicando-nos a periodicidade do fenómeno. Falava-nos das constelações com um fascínio contagiante, ensinando-nos a identificar a Ursa Maior, a Ursa Menor e a Estrela Polar — nomes que ficaram indelevelmente gravados na minha memória.

Nas noites escuras de Oura, quando o silêncio tomava conta do mundo e o céu se abria sobre mim, era para essas constelações que dirigia os meus olhos sonhadores. Também me recordo dos conselhos do meu tio sobre não olhar directamente para o Sol — alertas ingénuos, sim, mas ditos com tanto cuidado — "olhem através do fundo de uma garrafa de vidro escuro", dizia ele.

Um episódio, em particular, ficou gravado na minha memória como uma cena de um filme de mistério.

Estávamos numa tarde quente, pouco depois do almoço, quando alguém surgiu à porta da sala, ofegante. Murmurou algo ao professor e desapareceu. O Ti Manelzinho, com um ar repentinamente grave, subiu ao estrado e anunciou, em tom solene:

— Vem aí o inspector. Vamos embora. Depressa!

Saltámos das carteiras e seguimos atrás dele, em corrida desenfreada, em direcção ao pinhal que ficava a nascente da escola.

— Corram! Rápido! Está mesmo a chegar o inspector!

Cheios de medo do "bicho-papão" que se aproximava — como se fôssemos culpados de alguma traquinice —, corremos desalmadamente. Já no pinhal, fomo-nos escondendo atrás das densas giestas, obedecendo silenciosamente às ordens do mestre.

— Quietos! Nada de barulho. Não levantem a cabeça.

Ali ficámos, imóveis, até que o nosso mestre, após várias espreitadelas em direcção à escola, nos deu sinal de regresso. O "perigo" tinha passado.

Regressámos então à sala, de forma cuidadosa e silenciosa, como se nos tivéssemos livrado de um enorme perigo. Só muitos anos mais tarde percebi que o verdadeiro alvo da inspecção não éramos nós… mas sim o próprio Ti Manelzinho.

Ao chegar à quarta classe, a exigência aumentou — tanto para mim como para o meu colega Salvador, da Quinta das Bolas. Ambos nos preparávamos para prosseguir os estudos e teríamos de realizar o temido exame de admissão. Era necessário saber tudo — os rios, os caminhos-de-ferro, as serras de Portugal, e até os intrincados problemas de enchimento de tanques que nos faziam perder o sono.

Depois das aulas, comecei também a ir estudar para a casa do Ti Manelzinho, onde a afável tia Virinha — sua esposa — me recebia sempre com um sorriso caloroso e um lanche reconfortante.

Aí continuávamos a resolver os complexos problemas que me davam volta à cabeça. Em paralelo, comecei a preparar um trabalho manual — a colagem de fios de lã colorida sobre uma tábua de madeira lixada e envernizada, que representava uma casa na montanha.

O meu tio dizia que, no exame da quarta classe, teríamos de apresentar um trabalho manual. O plano era simples — levaria duas tábuas, uma ainda em branco, e outra quase pronta. Iniciaria a colagem na tábua vazia e, a meio da prova, trocaria discretamente pela outra, colando mais uns fios para simular o progresso.

No dia da prova, embora nervoso e com medo de ser apanhado, executei o plano. Os professores responsáveis pela avaliação elogiaram efusivamente o meu trabalho, chegando mesmo a destiná-lo a uma exposição.

O Ti Manelzinho — amigo, mestre, cúmplice das pescarias do meu pai — ficou para sempre gravado no meu coração. Pelo que ensinou, pela forma como cuidou de mim, pela ternura com que me guiou, foi uma dessas presenças que o tempo nunca apaga.

Paulo Coimbra

2025-04-01

Entre giestas e pinheiros


Perto do apeadeiro do Salus, numa das encostas do Monte Meão, um frondoso monte compreendido entre Vidago, Oura e Vila Verde, situava-se o troço que permitia concretizar um dos nossos passatempos de Verão — descer a montanha em bicicleta.

Nessa altura ainda estávamos muito longe do aparecimento das BTT e das provas de downhill. Contudo, como pedalar era penoso, era com as descidas de montanha que nós podíamos competir, com muita adrenalina e não muito esforço.

As longas férias de Verão, pachorrentamente fluindo sob o tórrido calor estival, davam-nos o tempo e a liberdade para explorar os segredos da natureza e desafiar os limites do nosso corpo.

O monte, a nossa pista de corridas, era um lugar mágico, onde a luz do sol dançava entre o arvoredo. Sob a sombra protectora dos pinheiros aliada ao perfume das giestas, das arçãs e do rosmaninho, tudo se harmonizava e nos envolvia num abraço quente e acolhedor. As curvas da descida, como os contornos de um corpo amado, eram um desafio constante, um convite à superação e à entrega.

O Luís e o António Barreira, com a sua bicicleta com volante de cross, eram os nossos guias, mas, simultaneamente, os alvos a abater. A sua perícia e determinação inspiravam-nos a dar o nosso melhor, a lutar por cada segundo, a sentir a adrenalina a correr nas nossas veias.

E eu, com a minha bicicleta pesada e antiga, sentia-me como um cavaleiro medieval, a lutar pela honra e pela glória. Cada pedalada era um esforço, uma batalha contra a gravidade e o tempo, mas a recompensa era a sensação de liberdade, a alegria de sentir o vento na cara e a inebriante ânsia de vencer.

Marcado o dia, aí íamos nós, estrada acima, tentando não gastar muitas energias, que seriam preciosas para dar na corrida aquele impulso adicional. Chegados ao local, procedíamos à sincronização do relógio e do cronómetro. O primeiro ficaria no ponto de partida, onde, de cinco em cinco minutos, partiria cada um de nós, enquanto, na meta, o cronómetro registaria o momento da chegada, sempre com dois elementos a comprovar a veracidade do tempo, e efectuar, numa folha de papel, o respectivo registo.

O coração batia forte. A magia estava prestes a acontecer. Havia zonas mais íngremes, zonas mais planas. Curvas longas e curvas apertadas. Em algumas delas, a agulheta dos pinheiros atapetava o chão. Para complicar, algumas curvas tinham ainda inclinação para o exterior — "relevé" ao contrário, como dizíamos. Era difícil saber os limites, pois, a qualquer momento, a falta de aderência podia fazer-nos cair e deitar tudo a perder.

A meta, situada junto a um pinheiro debruçado no caminho, ficava já muito próxima da Estrada Nacional Nº 2. Era a pedalada final, o impulso para a vitória.

Mas o melhor de tudo era a nossa amizade, o nosso espírito de camaradagem. As gargalhadas que ecoavam pelo monte, os momentos de partilha e cumplicidade, os olhares de incentivo e apoio... Tudo isso tornava as nossas corridas numa experiência inesquecível, num capítulo mágico da nossa juventude.

Ao recordar esses momentos, sinto uma nostalgia doce e melancólica, a saudade de um tempo em que a vida era simples, pura e intensa. Um tempo em que a amizade e a aventura eram os nossos maiores tesouros. 

Paulo Coimbra

GT, o cão

 

"GT". Duas letras que evocam imagens de velocidade, potência e adrenalina. Um acrónimo que, na década de 70, era sinónimo de desempenho e velocidade. No entanto, o protagonista da história era tudo menos isso. Um cão gentil, com um apetite voraz por açúcar e uma preguiça de dar inveja a qualquer gato. Como um carro desportivo transformado em táxi, o GT era um enigma ambulante. De "Grande Turismo" só o nome e nada mais.

Para entendermos o porquê de tal designação, devo dizer que o dono era o Manuel Carvalho, proprietário do café Capri, o qual, com o passar dos anos, passou a ser conhecido como o Manuel Capri. 

O Manuel Capri era um grande adepto dos desportos motorizados. Não era por acaso que o seu automóvel era um Ford Capri GT, tendo possuído também uma moto Jawa, uma Lambretta e construído um karting. Tudo que fizesse barulho e consumisse gasolina era do seu agrado.

Na época, sempre que um modelo automóvel possuísse uma versão mais requintada e desportiva, essa era a versão "GT".

Não será, pois, de estranhar que o nome do cão fosse também uma versão de topo dos nomes caninos. 

Só que o GT era tudo menos desportivo. Molengão, movendo-se languidamente, adorava deitar-se debaixo das mesas, aos pés dos clientes. Com os seus olhos sonolentos, parecia pedir mentalmente mais um pedaço de açúcar, enquanto balançava a cauda com preguiça, como se estivesse a dizer: "A vida é boa, mas poderia ser melhor com um pouco mais de doçura". Esta era a sua perdição. De tanto açúcar comer, já poucos dentes possuía. Alguns caninos e pouco mais. Sempre que bocejava, pois ladrar nunca o ouvi, era perceptível a ausência da maioria dos dentes, restando apenas alguns molares.

Nas tardes pachorrentas que, em amena cavaqueira, sentados no muro lateral da esplanada do Capri, íamos observando tudo que se ia desenrolando à nossa volta, uma coisa que sempre nos fazia rir às gargalhadas era o momento em que alguma cadela com o cio passava, com uma turba de cães atrás dela. Na altura, ao contrário de agora, andavam imensos cães à solta nas ruas, percorrendo as artérias da vila em grande alvoroço. Era nessa ocasião que lá ia o GT, nos últimos lugares da alcateia, tentando também que os seus genes passassem à geração seguinte. Contudo, o que invariavelmente se verificava era que o GT nunca conseguia os seus intentos, sempre ultrapassado pelos seus congéneres, mais enérgicos e viris. Pobre GT…

Algo que naquela altura nos ocupava as longas noites de Inverno, era irmos para o nº 55 da Rua Santos Vidago, mais conhecida como a Rua do Cinema. Aí ouvíamos vezes sem conta, os "LP´s" que possuíamos, desde Pink Floyd aos Emerson, Lake & Palmer, desde Louis Armstrong a Strauss. Sempre num ambiente de boa disposição, com muitas histórias pelo meio, até que o avançado da noite nos fazia regressar a casa.

Era nessa altura que eu via o GT. Fosse no pico do Verão, fosse numa gélida noite de Inverno em que se tiritava de frio e não se via um palmo à frente do nariz devido ao nevoeiro, ao 217 passar pelo cinema, lá estava o GT, alheio a tudo, dormindo no meio da rua, enrolado sobre si mesmo. Uma ilha solitária num mar de asfalto. Como eu já estava a prever a sua presença, ia sempre atento e cuidadoso, para que uma roda da "4L" não lhe passasse por cima.

Era nessa altura que me vinha à cabeça a expressão "vida de cão".

Paulo Coimbra

2025-01-16

Um Aperto de Mão

"O rouquinho nunca mais morre", dizia o Jorge, o meu irmão mais velho, sempre com aquele tom meio irónico e meio sério que era tão característico dele. A alcunha de rouquinho estava, claro, associada ao timbre inconfundível da voz de Salazar, ligeiramente aguda, cujos discursos me faziam lembrar a leitura do evangelho no púlpito da igreja. 

À medida que o tempo passava, o Jorge repetia a sua frase com uma espécie de consolo, como quem tem uma verdade imutável nas mãos — o rouquinho nunca mais morre! 

Mas um dia, com um sorriso de satisfação nos lábios, o Jorge disse: - O rouquinho caiu da cadeira. Pode ser que seja desta… 

De facto, foi após essa queda, que Salazar sofreu as lesões que o impediram de continuar como Presidente do Conselho de Ministros. Faria ainda alguns anos de vida, mas o seu poder político já estava irremediavelmente quebrado. Marcelo Caetano, o novo rosto da ditadura, foi então chamado para o substituir, ocupando o cargo até ser deposto no 25 de Abril de 1974. 

A minha irmã Luísa, que na altura estudava no Porto, não perdia a oportunidade para desdenhar do governo. Com aquele espírito rebelde próprio da juventude, dizia que os homens do regime, e seus comparsas, ficavam com todos os "tachos" e ainda os rapavam bem rapados. Eu, com a imaginação fértil de um miúdo, via um bando de salteadores a invadir uma cozinha, a devorar tudo o que encontravam nas panelas e, no final, a roubar as próprias panelas. 

Recordo-me também de uma piada que circulava na altura sobre uma marca de papel higiénico chamada SMART. As letras, de forma jocosa, formavam uma sigla que dizia: Salazar Morreu Agora Resta Tomás. E, se virássemos o papel contra a luz e o invertêssemos, a palavra "WC" transformava-se magicamente em "MC", assinando o produto com o nome do novo presidente Marcelo Caetano.

Foi no início do seu mandato que Marcelo Caetano decidiu fazer uma visita ao norte do país, e a sua passagem por Vidago ficou na minha memória. Naquela altura, eu, ainda muito jovem e sem grandes noções políticas, mas sempre atento às conversas do meu irmão, imaginei que o novo presidente fosse trazer algo de novo, algo de bom.

Quando soube que ele viria a Vidago, pedi imediatamente à minha mãe, que estava em casa comigo (o meu pai, na altura, estava em São Tomé), para irmos vê-lo. Ela, com aquele seu espírito colaborativo que sempre teve, concordou sem hesitar. Era fim de tarde, e estacionámos o Peugeot 404 em frente ao Délio, já virado para regressar a Oura.

À medida que a multidão se ia aglomerando no largo onde existia a Farmácia Costa e também na parte inferior da Rua Alves Teixeira, a atmosfera começava a ganhar uma vibração palpável. Os tons cinzentos dominavam — homens vestidos com os seus fatos domingueiros, chapéus na cabeça e os rostos sérios, expectantes, aguardavam com ansiedade pela chegada do novo presidente. As mulheres, recatadas, com lenços na cabeça, observavam em silêncio, com os seus olhos brilhando de curiosidade e uma ponta de esperança.

Subimos as escadas da farmácia à procura de um bom ponto de observação. E foi então que ele apareceu. A noite já tinha caído e o ar frio fazia-nos arrepiar a pele. Lá ao fundo, surgia Marcelo, vindo da Avenida Conde Caria, rodeado por homens de semblante grave e vestes escuras. Mas ele, por sua vez, era um contraste — sorria e cumprimentava as pessoas com uma simpatia contagiante. O entusiasmo da multidão foi imediato, como uma onda, quase o engolindo — "Viva!", "Viva o Sr. Presidente!", "Viva Marcelo!" — os gritos eram calorosos e cheios de fervor.

Eu estava fascinado, imerso naquele momento histórico, que, para mim, tinha um brilho especial. A excitação, a adrenalina, faziam aquele momento parecer eterno, mas, infelizmente, foi efémero. Marcelo e sua comitiva seguiram rapidamente para as viaturas, enquanto a multidão começava a dispersar. Ouvi então alguém comentar, com um tom calmo e desinteressado.

— Vai dormir no Palace

Naquele instante, senti uma onda de curiosidade avassaladora. Sem perder tempo, pedi à minha mãe para irmos até ao hotel onde Marcelo se hospedaria. Ela aceitou e lá fomos nós, apressados para o carro, dirigindo-nos pela estação da CP em direcção ao Palace.

Quando estacionámos junto à "taça" frontal ao imponente hotel, Marcelo, que já tinha subido os primeiros degraus da escadaria, ainda estava à vista. Ia saudando diversas pessoas, que, como eu, o desejavam cumprimentar. Já se dirigia para a porta de entrada quando atingimos o cimo da escadaria. A minha mãe, com um sorriso travesso, tocou-me nas costas e disse baixinho:

 — Vai!

Eu não pensei duas vezes. Corri em direcção ao político, com o coração a bater forte no peito. Puxei-lhe suavemente pelo casaco. Ele virou-se e, ao perceber que não havia mais ninguém além de mim, sorriu, um sorriso cativante que parecia iluminar tudo à sua volta. Com um gesto calmo e sereno, estendeu-me a mão. A sua mão era enorme, comparada com a minha, mas, mesmo assim, apertei-a com força, como se aquele gesto representasse uma conexão simbólica entre o passado e o futuro, entre o regime de ontem e a promessa de um novo amanhã.

Marcelo deu meia-volta e entrou no Palace. E eu, ali, no limiar daquele momento único, não conseguia deixar de sentir que, apesar de tudo, era aquilo que eu mais desejava — um simples aperto de mão, mas que marcava um instante na história da minha vida.

Nunca mais me esqueci desse momento.

Paulo Coimbra

2017-11-21

Oumuamua - O visitante que veio de longe

Oumuamua - Concepção artística
Viagem interestelar, frase mágica, impossível para o homem, nos tempos actuais, eventualmente possível quando o desenvolvimento tecnológico o permitir...
Contudo, objectos inanimados como este asteróide, conseguem tal proeza...
A uns impressionantes 95 000 km/hora e vindo, ao que tudo indica, da direcção de Vega, na constelação de Lira, deve por lá ter passado há cerca de 300 000 anos - ainda antes do aparecimento do Homo sapeins!
Estima-se que seja um viajante solitário, passeando-se pela nossa galáxia há centenas de milhões de anos, que agora se cruzou com as nossas vidas. 
A sua enorme velocidade impediu que, na sua passagem pelas proximidades do Sol, fosse por ele capturado.
Qual "caminheiro" espacial, continuará, certamente, por muito mais tempo a viajar pelo nosso "jardim". 

2017-03-28

As Estelas de Castelões

A palavra estela, provém do grego stela, que significa pedra erguida ou alçada.
Perto da localidade de Castelões, Chaves, foram encontradas no ano de 2012, duas estelas, distanciadas cerca de 12 metros uma da outra. 
O local do achado ( 41º 48’ 19.87’’ N, 07º 34’ 20.73’’ O) situa-se perto de um caminho que liga Castelões a Meixide, a uma cota perto dos 1000m, de vastíssimo horizonte visual, sem vestígios de qualquer função funerária.
Castelões I (Silva, 2013, p.630, fig.1)

A primeira estela, denominada Castelões I, é um monólito de espessura regular, de granito da região, de tonalidade acinzentada, conhecido justamente como “granito de Castelões”, com muito quartzo e mica preta.
Possui cerca de 1,50 m de altura (dos quais cerca de 0,20 m enterrados), 1,20 m de largura (média) e 0,25 m de espessura. 
O seu reverso é tosco, enquanto que o anverso foi alisado para permitir a figuração.
Possui gravado um escudo ao centro, com cinco círculos concêntricos. 
Por baixo do escudo está uma espada completa, enquanto que à direita existe uma lança na vertical.
À esquerda do escudo, visualiza‑se, em posição invertida, um espelho, de disco subcircular com pé.
De realçar ainda, a evidência da estela ter sido ornamentada na sua orla periférica com um denticulado em zig-zag. 




Castelões II (Silva, 2013, p.630, fig.2)

A segunda estela - Castelões II, é igualmente um monólito, mas neste caso de granito amarelo, não existente na região, com muito feldspato, quartzo miúdo, pouca moscovite e muita biotite.
As suas dimensões são ligeiramente inferiores à outra - cerca de 1,50 m de altura (dos quais cerca de 0,25 m enterrados), 1,15 m de largura (média) e 0,15 m de espessura.
De configuração similar à anterior, com o anverso igualmente plano e alisado e o reverso tosco, ao natural.
A parte superior foi igualmente boleada, enquanto a parte inferior, para enterramento, não terá vestígios de especial tratamento.
O escudo ocupa a parte central, sendo constituído por três aros concêntricos. São notáveis os pormenores do mesmo, com detalhes da pega central e do cravejamento que fixaria as tiras de couro ou capas de metal ao suporte.
 Por baixo do escudo, está figurada uma espada completa, enquanto que na parte superior está representada uma lança com haste comprida e ponta foliácea. 
São ainda notórios os seguintes elementos: uma ponta de lança; um círculo, representando a cabeça e linha dorsal vertical com membros superiores e inferiores abertos; um pequeno canídeo ou cervídeo, com cauda, patas e orelhas ou armadura representadas por segmentos lineares e um motivo geométrico, com dois círculos quase concêntricos. A orla exterior possui igualmente um denticulado em zig‑zag, ainda visível em quase todo o seu perímetro.

Dadas as suas características, poderemos datá-las dos finais da Idade do Bronze.  
Após a sua descoberta, as estelas foram movidas para o local onde se encontram presentemente, em Castelões, onde poderão ser visitadas e apreciadas.

As duas estelas, na localidade de Castelões (foto extraída do blogue "Castelões  - Aldeia Transmontana).

2016-06-05

Andrómeda – A vizinha do lado, que nos vem visitar!


Para nós, habitantes do planeta Terra, habituados que estamos a deslocarmo-nos a pé, de automóvel, de comboio, de avião…, é sempre bastante difícil assimilar as distâncias a que estão os objectos situados fora do nosso lar.
A Lua, nossa eterna companheira, está a uns meros trezentos e oitenta mil quilómetros (380 000 km) de nós - distância média. Este é o número de quilómetros que quase todos os automóveis conseguem superar durante a sua vida útil e é cerca de trinta e duas vezes o diâmetro da Terra!


Se, em vez de quilómetros, pensarmos em anos-luz, ano-luz é a distância que a luz consegue percorrer durante um ano à velocidade de aproximadamente 300 000 quilómetros por segundo, então a Lua está a cerca de 1,2 segundos-luz da Terra. O nosso Sol, encontra-se a cerca de 8 minutos-luz do nosso planeta.
E a nossa vizinha, Andrómeda?


Andrómeda é uma galáxia espiral, maior que a nossa própria galáxia – a Via Láctea, que se encontra a cerca de 2,5 milhões de anos-luz de nós. Possui um diâmetro de cerca de 220 mil anos-luz e alberga qualquer coisa como 10 biliões de estrelas! É perfeitamente visível à vista desarmada em locais sem poluição luminosa e noites sem Lua. Com binóculos ou telescópio, é simplesmente soberba!
Se pensarmos agora que quando a observamos, estamos a vê-la como ela era há 2,5 milhões de anos no passado, ou seja, mais ou menos quando o Homo Habilis surgia na Terra, imaginem a distância…
Ora, devido à atracção gravitacional mútua, a Via Láctea e Andrómeda vão chocar no futuro. Ainda falta um pouco – qualquer coisa como cerca de quatro mil milhões de anos, quando sabemos que pouco mais do que isso é a idade do nosso sistema solar!
Não se preocupem contudo com os danos. Quando a colisão acontecer, a distância existente entre as estrelas de cada uma das galáxias é tão grande, que os choques serão residuais.
Podemos dormir descansados.

2015-10-30

JWST - James Webb Space Telescope

Três anos!
Três anos é quanto falta para o lançamento, previsto para Outubro de 2018, dos novos "óculos" que a humanidade vai usar para ir mais além, no passado, na senda do conhecimento da origem do universo.

Visão artística do telescópio

Um dos principais objectivos da missão do  James Webb é detectar e estudar as primeiras galáxias e estrelas em formação nas idades mais jovens do Universo. Como a luz viaja a uma velocidade finita, demora um certo tempo a chegar até nós, vinda do ponto do espaço que vier. Então, para conseguirmos observar estas primeiras estrelas e galáxias, será necessário olhar para o espaço longínquo, e ao fazê-lo estaremos também a olhar para trás - a viajar no tempo. 
Devido à expansão do Universo, quanto maior a distância a que um objecto se encontra, maior será a velocidade com que este se afasta. De acordo com um fenómeno designado por Efeito de Doppler, a luz que recebemos deste objecto sofrerá então um desvio para comprimentos de onda maiores - para a região dos infravermelhos, deixando de estar na "zona do visível". Como tal, para podermos detectar e estudar estes objectos, teremos de realizar observações na região dos infravermelhos.

Tamanho comparativo entre os espelhos do Hubble e do James Webb
É aqui que surge o James Webb Space Telescope!
Atendendo à zona do espectro em que vai trabalhar, a temperatura deverá ser mantida na zona dos 220º negativos, tendo sido por essa razão escolhido o berílio, como material mais adequado para a execução do espelho.
Com esta maravilhosa ferramenta podemos recuar até cerca de 200 milhões de anos logo após o Big Bang, o qual ocorreu à cerca de 13,8 mil milhões de anos.
A sua localização será no ponto de Lagrange L2.

Com este novo telescópio podemos dar continuidade ao trabalho iniciado com o Hubble e ir ainda mais longe no conhecimento da origem do Universo!

Saiba mais em: JWST
   

2014-11-19

O pilar da tua vida

Átomo de carbono ( a negro, ligando-se a quatro átomos de hidrogénio)
A vida, tal como a conhecemos na Terra, baseia-se no carbono (C).
Devido à sua extraordinária capacidade de, através de ligações covalentes, se conseguir ligar a outros elementos químicos, partilhando os seus electrões, o carbono foi o pilar da formação de vida no nosso planeta.
Porque não uma outra forma de vida, baseada por exemplo no silício?
Como afirmou Carl Sagan, não devemos ser chauvinistas do carbono!
Contudo, devido à importância que o carbono desempenha na existência de vida tal como a conhecemos, é óbvio que se procurarmos vida ou as moléculas que a ela deram origem, iremos numa primeira fase orientar a nossa pesquisa segundo essa via.
Imagem do local onde se encontra a Philae, no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko
Fonte: ESA 


Ora, a Philae, recém- chegada ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, realizou já uma espantosa descoberta: a existência de moléculas orgânicas de carbono! Ainda sem qualquer conclusão adicional acerca da sua constituição e complexidade, é no entanto uma extraordinária descoberta!

2014-11-15

67P/Churyumov-Gerasimenko, o cometa!

Foto obtida a cerca de 10 km do cometa, pela Rosetta.
(Fonte: ESA
Saber mais acerca das nossas origens, é algo que todos valorizamos.
Temos aqueles que se preocupam em desvendar a sua árvore genealógica, saltando de geração em geração. Outros, preferem investigar quem foram os nossos antigos governantes, como governaram, que intrigas aconteceram, o que fizeram (ou não) em prol do desenvolvimento...
Alguns focalizam a sua atenção em determinada civilização, época histórica ou evento!
Existem os que se interessam pela origem da vida e do homem - este será porventura um dos temas mais aliciantes desta procura do saber (excepto, obviamente, para os que preferem "crer"!).
O conhecimento da origem do local onde tudo isto acontece - a Terra e do sistema planetário onde está inserido, não pode nunca passar-nos ao lado.
Nesse sentido, a ESA lançou-se num projecto extraordinário de estudar uma das "testemunhas" dessa altura - o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko!
Longe da confusão inicial que conduziria à alteração das provas, viajando para os confins do sistema e sem, ou com reduzida, interferência de terceiros, os cometas são o local ideal para sabermos com que matérias primas e condimentos se fez o "bolo".